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Tarifas dos EUA e impacto no Brasil

A nova política tarifária dos EUA desafia a economia global e ameaça a neoindustrialização brasileira. Como o Brasil deve reagir ao protecionismo crescente de Trump e seus impactos no comércio?

 

O governo Trump anunciou tarifas denominadas recíprocas em 02/04/2025, no que foi chamado de dia da libertação econômica. Defendem os EUA que o mundo estaria abusando da abertura comercial daquele país, a qual gera déficit comercial excessivo e desindustrialização, com perda de empregos para outras economias. O aumento de tarifas de importação para compensar essa alegada desvantagem protegeria a indústria nacional. Apesar de indicações sobre a busca de reciprocidade por produto, foram divulgadas tarifas mínimas de 10% por país às quais se somariam percentuais maiores definidos de acordo com o déficit comercial bilateral existente com os EUA. Entre outras nações e blocos, a União Europeia amargaria tarifa adicional de 20%, e a China, 34%.

Esse contexto impõe diversos desafios para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, que já sofria com elevações para 25% das tarifas de importação de aço e alumínio, anunciadas em 10/02/2025 pelos EUA segundo a Section 232 do Trade Expansion Act de 1962. Em 26/03/2025, foram anunciadas, igualmente com base nessa legislação, tarifas específicas de 25% para automóveis e autopeças, que também atingem o Brasil. No caso da tarifa recíproca, o Brasil seria atingido em 10%, no valor mínimo, por ser deficitário com os EUA. Já se contado o déficit no comércio de serviços, nota-se que a balança comercial brasileira com os EUA é fortemente deficitária, o que não significa qualquer desvantagem para esse último país¹.

Essas tarifas fazem parte da intensificação recente da política industrial, tecnológica e de comércio exterior dos EUA, a qual une, de maneira geral, amplo espectro político no país. Ainda que haja divergência sobre a atual elevação generalizada de tarifas, os últimos governos dos EUA vinham aplicando sucessivamente mais sanções econômicas, entre as quais comerciais, especialmente direcionadas à disputa produtiva e tecnológica com a China, em linha com o fortalecimento mundial de políticas industriais².   

Tendo como base o International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) de 1977, que permite sanções diversas e a regulação do comércio para emergências, as tarifas recíprocas de abril constituem novo elemento que pode desfazer a ordem econômica liberal assentada nos acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) desde 1994, especialmente das regras do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1947 e atualizado em 1994. Princípios como a não discriminação e o tratamento de nação mais favorecida, além dos compromissos com as listas de concessão de tarifas, são violados. Além disso, a OMC está inoperante há anos e não consegue, por bloqueio daquele país, manter órgão de apelação desde 2020, impossibilitando decisões definitivas sobre controvérsias. 

Com efeito, o atual sistema multilateral de comércio tem sido erodido pelas medidas unilaterais que vêm sendo tomadas pelos países mais ricos, destacando-se também a taxação de carbono transfronteiriça e o regulamento sobre desflorestação da União Europeia, que prejudicam, respectivamente, produtos industriais e agropecuários brasileiros.

Muito embora tenham sido enfatizadas por autoridades dos EUA, essas tarifas não necessariamente serão aplicadas de fato. Podem ser instrumentos de pressão para obter vantagens em áreas variadas de interesse econômico dos EUA, por exemplo em abertura de mercados em produtos e serviços, propriedade intelectual e investimentos estrangeiros. Mais do que apenas o uso do instrumento da tarifa, a administração do comércio e a coerção econômica parecem ser objetivos centrais a serem buscados.

Cabe lembrar que esse instrumento é conhecido da política estadunidense. A administração Mckinley, a quem Trump se refere constantemente, buscou usar tarifas para proteger indústrias, na passagem do século XIX para o século XX. Já as tarifas Smoot-Hawley de 1930 significaram aposta na demanda interna em detrimento das importações como medida para compensar a grave crise e depressão, criando caso conhecido de política de empobrecer o vizinho, na qual o aumento de bem-estar é conseguido por meio da piora do bem-estar dos outros. Essas tarifas de 1930 ainda desencadearam uma sucessão de retaliações por parte dos países atingidos.

Com respeito a retaliações hoje em dia, o quadro recente parece indicar que diversas economias relevantes não vão compactuar com essas tarifas e devem responder com medidas semelhantes ou em outras áreas no campo econômico. China, Canadá, União Europeia já retaliaram com respeito a aço e alumínio e, no caso dos dois primeiros, a outras levas de tarifas, atingindo importações de produtos dos EUA. Já Beijing declarou que vai reciprocar, em igual percentual de 34%, as tarifas mais recentes impostas por Washington contra sua economia. 

O Brasil fica em contexto delicado, enquanto a resposta brasileira ainda parece apostar em negociações bilaterais que não têm avançado. A estratégia de neoindustrialização do atual governo brasileiro pode sofrer significativo revés diante de ainda maior protecionismo pelo mundo combinado com desvios de comércio causados por fechamento de economias e maior oferta de produtos industriais pressionando o mercado nacional. O Brasil já sofre com desindustrialização associada a deslocamento da produção interna por importações³. Junto dessas questões, ainda faltavam instrumentos legais para facultar uma retaliação, mas essa autorização parece ter sido suprida nos últimos dias. 

No mesmo dia do anúncio das tarifas recíprocas, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.088/2023, de iniciativa parlamentar, que estabelece critérios para suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual em resposta a medidas unilaterais adotadas por país ou bloco econômico que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira. Remetido à sanção, esse Projeto, que é autorizativo, permite retaliações por motivos econômicos e ambientais. Já outras proposições em tramitação tornariam obrigatória a reação brasileira, a exemplo do Projeto de Lei nº 786/2025.  

Ainda pairam ameaças sobre produtos específicos brasileiros. O 2025 National Trade Estimate Report, do USTR, salienta supostas barreiras comerciais e proteção brasileira ao etanol, indicando que esse produto poderia ser alvo de mais sanções, além de áreas como audiovisual, propriedade intelectual, o programa RenovaBio e diversas outras. 

Algumas ações imediatas e de mais de longo prazo podem ser vislumbradas para o caso brasileiro. A aplicação direta da legislação aprovada no Congresso é importante para a soberania econômica. O governo brasileiro ainda pode aproveitar para promover exportações diante do desvio de comércio que pode ser suscitado pela criação de tarifas desiguais nos EUA. Além disso, é relevante tentar articular ação conjunta de países prejudicados, especialmente aqueles em desenvolvimento, para enfrentar medidas unilaterais injustas. 

Esse contexto mais geral poderia ainda levar à discussão de uma nova ordem econômica internacional que respeite o desenvolvimento dos países, ao invés da mera liberalização característica da década de 1990, do chamado Consenso de Washington que era receitado à época para os países em desenvolvimento. Hoje em dia, a reformulação provocada pelos EUA sugere que não há uma única receita, devendo os países se empenharem na formulação de estratégias próprias de desenvolvimento econômico e social.  


¹ Ver, por exemplo, o Programa Bora Entender da TV Câmara sobre Impactos da política comercial dos EUA, de 24/02/2025. Disponível em: https://www.youtube.com/live/8TfJmo9WmjM.

² Sobre esse contexto global recente, ver, por exemplo, LIMA, Pedro Garrido da Costa; NAZARENO, Claudio. Contexto global de políticas para o pós-pandemia. In: LIMA, Pedro Garrido da Costa; NAZARENO, Claudio. (orgs.) Retomada econômica e geração de emprego no pós-pandemia. Relatores: Da Vitoria (coordenador) e Francisco Jr. Brasília: Edições Câmara, 2023. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/items/157ea3b1-4ef0-4717-a619-7ffec6593335.

³ Ver, por exemplo, LIMA, Pedro Garrido da Costa. Desenvolvimento produtivo na indústria e nos serviços. In: LIMA, Pedro Garrido da Costa; NAZARENO, Claudio. (orgs.) Retomada econômica e geração de emprego no pós-pandemia. Relatores: Da Vitoria (coordenador) e Francisco Jr. Brasília: Edições Câmara, 2023. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/items/157ea3b1-4ef0-4717-a619-7ffec6593335.

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Pedro Garrido da Costa Lima é Doutor em Economia pela UnB, mestre em Economia pela UFF e economista formado pela UFRJ. Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na Área de Política e Planejamento Econômicos, Desenvolvimento Econômico e Economia Internacional. Atualmente também é Conselheiro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF) e Presidente da Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Aslegis). 

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