4 de junho de 2025
Avaliação Gestão Pública

Números de um país (quase) incompreensível

Brasil registra inadimplência recorde, renda per capita em alta e pobreza persistente. Esses dados revelam as contradições profundas e limitações estruturais do modelo econômico vigente, marcado por fragilidade e desigualdade

 

Números e estatísticas sobre a economia brasileira vêm mostrando certa discrepância. Se por um lado o país vem crescendo a taxas razoáveis (ainda que insuficientes) nos últimos anos, e o nível de emprego formal venha se mantendo alto, a sociedade vem convivendo com aumento nos níveis de inadimplência, alta nos preços de alimentos e menor acesso a crédito devido aos juros altos. 

Em abril deste ano, o Brasil registrou recorde de inadimplentes. De acordo com o Serviço de Proteção ao Crédito e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas, naquele mês eram 70,29 milhões de pessoas negativadas. Um impressionante patamar de 43,36% da população brasileira adulta. Tendo aumentado 1,09% em relação ao mês anterior, a taxa de inadimplência subiu em abril 4,59% em relação ao mesmo mês em 2024. 

A maioria dos inadimplentes negativados tem entre 30 e 39 anos e vive na região Sudeste. A média do valor devido pelos brasileiros nesta situação é de R$ 4.689,54, em sua maioria para mais de uma empresa. Entre os credores, a maioria é de bancos. 

Quase simultaneamente, contudo, o IBGE divulgou a pesquisa “PNAD Contínua – Rendimento de todas as fontes”, segundo a qual a desigualdade de renda chegou à mínima histórica em 2024. A renda per capita nacional bateu R$ 2.020 no ano passado, subindo 4,7% em relação a 2023. A mesma pesquisa confirmou a persistente pobreza brasileira: a metade mais pobre da população teve sua renda aumentada em significativos 8,52% em 2024 e mesmo assim chegou a apenas R$ 713 mensais. Ou seja, 108,5 milhões de pessoas vivendo com nada mais do que R$ 23,77 por dia. 

Os 5% mais pobres vivem a dramática situação de ter uma renda per capita de R$ 154. Isto significa que são 10,9 milhões de pessoas que vivem com inexpressivos R$ 5,13 por dia. E ainda assim, este valor em 2024 estava 17,6% acima do que havia sido registrado no ano anterior. 

 

Esfinge brasileira

Explicar a coexistência de contextos aparentemente contraditórios pode ser um desafio para teóricos, acadêmicos ou estrangeiros. Porém, a esfinge brasileira não chega a ser um segredo absoluto para quem acompanha a vida brasileira por dentro e sem fechar os olhos à realidade social circundante. 

Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que o chamado “processo de redução das desigualdades” tendo por base o arcabouço institucional da Constituição de 1988 é lento e frágil, a tal ponto que mesmo quando se acelera, tem seus resultados quase apagados por circunstâncias econômicas de momento. Que é exatamente o que acontece neste 2025 difícil para as maiorias sociais. 

Não deveria ser normal um crescimento de 4,7% na renda per capital, ano a ano, passar praticamente em branco em meio a um recorde de inadimplência. Mas como esperar que seja diferente se a renda aumentada significa o acréscimo de menos de R$ 100 por pessoa por mês? 

Em um contexto de alta de preços por variadas razões afetando o poder de consumo, e uma política monetária ortodoxa que a isto responde com juros reais a mais de 10%, chega a ser surpresa que a população vá ao consumo em prestações e logo deixe de pagar? Quando o cobertor é curto, fazem-se escolhas e em muitos casos pode acontecer que satisfazer a necessidade do momento seja mais importante do que manter a dignidade creditícia. Não é o tipo de diagnóstico que se encontra em manuais de economia, mas é algo mais próximo da experiência social brasileira nesta época de consumo massificado, renda deprimida e alta informalidade do trabalho. 

 

Sem solução à vista

O que corresponde a este cenário no plano da macroeconomia é nossa limitação aos chamados “voos de galinha”. Surtos não estruturados de crescimento, sempre apoiados em ações pontuais (sejam transferências diretas de renda, sejam ações produtivas que não têm escala ou continuidade), são muito frágeis diante de condições adversas. E quando dentre as condições adversas conta-se um mecanismo automático de esfriamento econômico, fica garantido que o crescimento não será de longo prazo. No Brasil dos últimos anos, como se sabe, este mecanismo é o juro alto, missionário da recessão a pretexto de um descontrole inflacionário que nunca mais existiu depois de 1994. 

O arranjo político, econômico, social e institucional de 1988 deixa o Brasil limitado ao crescimento pequeno, frágil e por surtos. Estão interditadas discussões como metas de crescimento, metas de produção, combate à inflação por aumento de oferta, choques de investimento público em infraestrutura, liberação de créditos produtivos subsidiados. Tudo o que pode representar a chamada “desancoragem das expectativas” dos agentes de mercado é cortado pela raiz. Não por coincidência, o que desancora expectativas de mercado é o mesmo que tem potencial para fazer subir de forma consistente a renda per capita, e por conseguinte sustentar o crescimento posterior.  

Assim, fica mantido o arranjo que permite a coexistência de renda per capita aumentando, desemprego baixo, alta inadimplência e inflação acima da meta estabelecida (embora não descontrolada). Impedido de aumentar a produção, o Brasil mantém seu curto cobertor concentrado em um pequeno lado da cama. Em tempo: em 2023, os dividendos distribuídos pelas empresas de capital aberto no país foi recorde. 1 trilhão de reais (isentos de imposto) distribuídos apenas a quem tem ações de grandes empresas. Metade disso (47%) ficou na mão dos 0,47% mais ricos (fonte: Observatório de Política Fiscal do IBRE/FGV).      

 

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Fausto Oliveira é jornalista de economia com experiência nacional e internacional em setores industriais e infraestrutura.
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