15 de junho de 2025
Avaliação Gestão Pública

Gestão e Avaliação do Desempenho no Setor Público – Parte 3

Terceira parte da série, este artigo aprofunda a complexa gestão do desempenho no setor público, destacando abordagens colaborativas, critérios flexíveis, avaliação contínua, marcos institucionais sólidos e uma evolução profissional planejada.

⚠️ Leia as partes anteriores deste artigo clicando ao lado:  Parte 1  |  Parte 2

 

A melhoria do desempenho individual e organizacional no setor público tem ocupado lugar de destaque nas propostas de reforma administrativa e do Estado no Brasil atual. Mas a discussão sobre gestão do desempenho, da qual a avaliação individual de desempenho representa apenas uma parte, constitui desafio complexo e multifacetado.

Neste terceiro mandato presidencial de Lula da Silva, embora o tema tenha permanecido em discussão, houve uma mudança substancial em torno do seu entendimento por parte do governo federal. Ao contrário de uma visão punitivista, fiscalista e privatista, a nova compreensão sobre o assunto reconhece a sua amplitude e complexidade e propugna uma abordagem valorativa, reflexiva e resolutiva, explicada no artigo anterior desta série.

Esta perspectiva alternativa reconhece que a CF-1988 estabeleceu os marcos principais a partir dos quais a profissionalização da burocracia vem sendo alcançada no país, a saber: i) o ingresso por concurso público; ii) o regime jurídico estatutário único; iii) a estabilidade relativa da força de trabalho sob comando do Estado e a serviço da sociedade; iv) a organização das políticas públicas a partir da estruturação de carreiras civis (e militares) com atributos definidos.¹

Além disso, ela enfatiza que a melhoria do desempenho profissional e institucional, ao depender de fatores complexos ainda desconhecidos e de muitos outros correlacionados entre si, vários deles localizados em instâncias hierárquicas e níveis decisórios distintos, espalhados pela estrutura organizacional do Estado, implica necessariamente um processo de aprendizado e construção legislativa de natureza contínua, colaborativa e cumulativa ao longo do tempo.

Por tais razões, é possível afirmar que a posição do MGI, nessa discussão, é realista e bastante sensata: não existe uma bala de prata, uma solução única, simples, rápida e barata para se promover a reforma administrativa, cujo principal objetivo estratégico consiste em estabelecer as melhores condições institucionais possíveis para a melhoria do desempenho estatal, aos níveis individual e organizacional.

Desta forma, além do contínuo aprimoramento e integração dos mecanismos já existentes, como o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) e a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP), dentre outros apresentados no artigo anterior desta série, o MGI propôs, por meio do Projeto de Lei nº 1.466/2025, convertido na Lei nº 15.141/2025, a reformulação do Sistema de Desenvolvimento na Carreira (SIDEC).

Previsto desde a Lei nº 11.890/2008, o SIDEC nunca foi regulamentado nem implementado. A principal razão está ligada ao modelo piramidal de carreira, ou seja, em quantitativos limitados de vagas em cada classe, de modo a estimular a competição entre os servidores e fazer com que apenas aqueles com melhores pontuações fossem promovidos. Esse dispositivo acabou se tornando um desincentivo para sua regulamentação e implementação, seja pela resistência interna das carreiras seja pela constatação empírica de que o modelo tende a provocar mais disfuncionalidades que benefícios.

Justamente por considerar a multidimensionalidade da gestão do desempenho e a necessidade de que esse componente esteja integrado a todo o ciclo laboral dos servidores, o MGI optou pela reformulação do mecanismo, incorporando as variáveis relacionadas ao desempenho no setor público ao processo de progressão e de promoção dos servidores na carreira.² A nova proposta buscou justamente reconhecer as especificidades das carreiras e das políticas públicas, bem como a diversidade de elementos que compõem e influenciam o desempenho individual. Assim, o redesenho do SIDEC prevê o seguinte:

  1. A mudança do modelo de competição pelo modelo de colaboração: a revogação dos limites de vagas por classes acaba com o modelo piramidal e ampara-se na lógica segundo a qual o que deve determinar a promoção de um servidor é a sua capacidade de atingir os critérios estabelecidos (que devem ser efetivos, objetivos e claramente definidos) e não a existência ou não de vagas limitadas na estrutura da carreira. Com isso, estimula-se a colaboração no serviço público, e não a competição, o que potencializa a produção de melhores resultados para a entrega de bens e serviços à população. A eliminação das barreiras implica eliminar também parte importante da resistência à regulamentação do SIDEC pelos diversos órgãos e entidades do Poder Executivo federal, mediante Decreto, a ser elaborado, em cada caso, em conjunto com o MGI.
  2. A relação de critérios prevista inicialmente na lei, que já possui algum nível de diversidade, passa a ser um rol meramente exemplificativo, não mais taxativo ou impositivo. Considerando as especificidades de cada carreira, órgão ou entidade e política pública envolvida, podem ser adotados os critérios que constam na lei ou outros critérios que façam mais sentido para cada realidade específica. O rol de critérios que consta na lei permanece o mesmo e inclui: resultados obtidos em avaliação de desempenho individual, frequência e aproveitamento em atividades de capacitação, titulação, ocupação de funções de confiança, cargos em comissão ou designação para coordenação de equipe ou unidade, tempo de efetivo exercício no cargo, produção técnica ou acadêmica na área específica de exercício do servidor, exercício em unidades de lotação prioritárias e participação regular como instrutor em cursos técnicos ofertados no plano anual de capacitação do órgão. Cria-se, com isso, uma “cesta de critérios” ou uma “cesta de pontos” dinâmica e adaptável às especificidades de cada órgão e carreira.
  3. A obrigação de avaliação de desempenho como um dos critérios, durante toda a vida funcional do servidor: como as carreiras inicialmente abrangidas pelo SIDEC foram aquelas que passaram a receber por subsídio, a avaliação de desempenho individual era realizada apenas para desenvolvimento na carreira, o que implica dizer que os servidores que chegassem ao topo da carreira deixavam de ser avaliados. E muitos chegavam ao topo da carreira tendo ainda um longo período de atuação profissional no serviço público. A alteração agora proposta valoriza a avaliação de desempenho ao prever que ela será obrigatória e realizada durante toda a vida funcional do servidor, como instrumento de gestão do desempenho. Com a obrigatoriedade da avaliação de desempenho como um dos critérios, tem-se, como consequência lógica, a impossibilidade de adoção de tempo de serviço, por exemplo, como critério único para promoção. É verdade que o processo de gestão de desempenho (no Brasil e no mundo, no setor público e no privado) pode ser questionado e aprimorado sob vários aspectos, mas garantir que todos sejam avaliados certamente é uma premissa importante a ser considerada.
  4. A expansão do SIDEC para outros planos e carreiras: o rol de carreiras submetidas ao SIDEC era limitado e incluía, como mencionado, apenas as carreiras que passaram a receber por subsídio. Com o aprimoramento do modelo, foram incluídas novas carreiras no escopo de aplicação do sistema, além de ter sido prevista a possibilidade da adesão de outros planos de cargos ou carreiras não expressamente relacionados, desde que as regras de suas respectivas legislações não sejam incompatíveis com o SIDEC. Com isso, estimula-se a adoção de mecanismo orientador unificado, promovendo isonomia e estimulando o modelo de “cesta de pontos” para outras carreiras e planos de cargos.
  5. A possibilidade de aceleração no caso de desempenho excepcional: como forma de reconhecer o desempenho acima do esperado, foi prevista a possibilidade de aceleração excepcional no desenvolvimento na carreira, observados dois requisitos: consideração de critérios objetivos que atestem desempenho diferenciado e aceleração limitada a dois padrões durante toda a vida funcional do servidor, não podendo ocorrer de forma consecutiva e nem na mesma classe. Estabelece-se, assim, um mecanismo de reconhecimento dos servidores e de incentivo à adesão ao SIDEC e, ainda, um processo balizado por parâmetros claros, objetivos e isonômicos.
  6. Os requisitos de promoção devem possuir níveis crescentes de complexidade: a lógica da estruturação de carreiras em classes e padrões ampara-se na premissa de que, à medida que o servidor evolui na carreira, ele se torna capaz de realizar atribuições mais complexas, que devem ser a ele designadas. Naturalmente, os requisitos para promoção aos níveis superiores da carreira devem ser maiores que os requisitos para os níveis inferiores, espelhando essa evolução funcional. A eliminação da barreira de quantidade de vagas deve ser balanceada pela previsão de critérios objetivos e justos, de modo que, se o servidor não atingir os critérios estabelecidos, sua promoção não ocorrerá.

Em outras palavras, a retomada e a revitalização do SIDEC implicarão uma mudança de paradigma. Os ajustes no SIDEC visam a promover também essa mudança cultural. É preciso considerar, no processo de desenvolvimento dos servidores na carreira, uma série de fatores como a dinamicidade do mundo contemporâneo; as diversas necessidades dos órgãos e entidades, que poderão aproveitar os mecanismos do SIDEC como meios de aprimoramento de sua gestão interna; e o estabelecimento de critérios que de fato atestem que o servidor merece evoluir na carreira e tem condições de desempenhar atribuições cada vez mais complexas.

Apesar dos avanços notórios da proposta, durante o processo legislativo de aprovação da Lei nº 15.141, de 2025, o Congresso Nacional deliberou pela retirada do SIDEC do Projeto de Lei para que o tema fosse tratado de modo apartado, em um espaço mais amplo de discussão sobre reforma administrativa. Trata-se de decisão oportuna do Poder Legislativo, que demonstra a relevância da gestão do desempenho no setor público e o interesse do Parlamento em se aprofundar na discussão.

A integração da gestão do desempenho com os critérios de promoção e progressão possui grande potencial de aprimoramento da gestão pública no Brasil. A proposta de reformulação do SIDEC vai ao encontro deste objetivo. Afinal, processos aparentemente simples de gestão da força de trabalho, como progressão e promoção na carreira, podem representar importante elemento de aprimoramento da própria capacidade de entrega de bens, serviços e políticas públicas à sociedade.

Uma reforma administrativa não precisa ser feita unicamente por grandes mudanças disruptivas. Em alguns casos, é uma questão de tornar compatíveis os mecanismos de gestão existentes com o modelo que se pretende implantar. O caso do SIDEC é um ótimo exemplo nesta direção.

 


¹ Recentemente, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135, o Supremo Tribunal Federal validou alteração constitucional promovida em 1998 que acaba com a unicidade do regime jurídico aplicável a servidores públicos, medida que tende a gerar muitas discussões e cujas consequências e riscos ainda precisam ser adequadamente avaliados.

² Apenas para que fique claro: progressão é a passagem para o padrão de vencimento imediatamente superior dentro de uma mesma classe, enquanto na promoção ocorre a mudança do último padrão de uma classe para o primeiro padrão da classe imediatamente superior.



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José Celso Cardoso Jr.
é Servidor Público Federal, Doutor em Economia e atualmente Secretário de Gestão de Pessoas da SGP/MGI.
Douglas Andrade da Silva é Servidor Público Federal, MBA em Gestão de Pessoas.
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