30 de abril de 2025
Econômica Infraestrutura

Transição energética abre oportunidade para o Brasil

A transição energética global abre para o Brasil uma chance estratégica: aproveitar sua matriz limpa e a industrialização verde para liderar soluções, gerar valor e integrar cadeias produtivas internacionais sustentáveis

 

Um dos eixos definidos pelo governo brasileiro no esforço por criar um novo ciclo de produção industrial no país é a transição energética. Trata-se de uma escolha estratégica coerente com as grandes tendências mundiais da primeira metade deste século. Como se sabe, há uma corrida planetária por acelerar o novo paradigma de produção e consumo de energia elétrica, o que inclui novos sistemas de geração e uso da eletricidade, equipamentos e veículos menos intensivos em combustíveis fósseis ou inteiramente elétricos e, em termos mais amplos, uma busca por eficiência energética no plano geral da vida social. 

No que diz respeito à geração de energia e administração de sistemas elétricos, o Brasil tem aí um cenário com características únicas no mundo, parte delas herdadas dos esforços de constituição de seu sistema elétrico no século XX. Neste contexto de especificidades estruturais, o país aborda a nova tendência por energias limpas com outros fatores promissores, como uma taxa de insolação que está entre as maiores do mundo e uma poderosa oferta de biomassa associada à produção agrícola. 

A transição energética no Brasil, portanto, parte de um ponto privilegiado que se verifica em poucos países no mundo: a maioria da eletricidade produzida no Brasil é de fonte hídrica, que por si é uma das fontes menos problemáticas em termos ambientais. Além disso, o trabalho conduzido pelo sistema Eletrobras ao longo da segunda metade do século XX foi primoroso em integrar a geração elétrica, estabelecendo um sistema nacional de distribuição de energia que, até os dias de hoje, é um dos mais bem planejados e robustos do planeta. 

Deve-se lembrar também que, com o recente barateamento da energia proveniente de fonte solar, abriu-se para o Brasil uma oportunidade única de aumentar e ao mesmo tempo descentralizar a geração elétrica. Reduzindo a dependência de consumidores em relação às distribuidoras locais, isso pode se reverter em redução de custos sistêmicos para a produção nacional e menor pressão inflacionária sobre a economia. Certamente, estes fatores criam condições para pensar a transição energética brasileira em outros patamares de discussão.

O país poderia, portanto, pensar em acelerar a transição energética sem precisar de grandes correções de rumo em áreas complicadas, como geração e distribuição. É daí que se abre a oportunidade para debater o papel de provedor de soluções para a transição energética mundial, que o Brasil, por meio de suas empresas, poderia assumir. Como país fabricante de baterias e equipamentos elétricos de movimentação, o Brasil tem condições de imaginar clusters industriais adaptados para as novas demandas industriais do mundo. 

As oportunidades, que já eram muitas, se multiplicam conforme prossegue a reorganização geopolítica imposta pelos Estados Unidos e seu novo governo anti-globalização. O acesso dificultado e seletivo ao maior mercado consumidor do mundo (Estados Unidos) deverá ser o novo normal, o que paradoxalmente facilita ao Brasil e sua base industrial de produtos semi-manufaturados a possibilidade de fornecer mais para os EUA e suas novas indústrias. Por outro lado, o outro grande polo industrial do planeta (China) terá que buscar mercados mundo afora, o que paradoxalmente pode ser uma porta aberta para a base industrial brasileira se conectar como fornecedora para a cadeia de produção chinesa. 

Por exemplo, tome-se o caso dos veículos elétricos e os milhões de pontos de recarga que eles demandarão. Ainda fora do grande jogo dos veículos elétricos, o Brasil tem uma contribuição a dar para os grandes atores deste mercado ao oferecer soluções industriais sistematizadas e prontas para uso. Bastaria unir os fabricantes nacionais de baterias, motores elétricos, atuadores e chassis, e estaríamos prontos para prestar às fabricantes mundiais de veículos elétricos o serviço de produção de sistemas conforme projeto, prontos para finalização. Isto poderia aderir o Brasil a uma cadeia global de alta renda e forte dinamismo, na condição de sistemista industrial.

Iniciativas semelhantes poderiam ocorrer em âmbitos como a produção de energia eólica, a geração de energia por biomassa residual agrícola, o uso do etanol como fonte combustível limpa, a aviação elétrica de pequeno porte, entre outras. Ou seja, é possível pensar um Brasil que não apenas realiza sua própria transição energética como compete de forma integrada e cooperativa com a transição energética do restante do mundo. 

O nível de planejamento econômico e político exigido para se realizar estes grandes objetivos é, contudo, muito alto. E a cultura política atual é marcada por ideias e ações de curto prazo. A questão que fica, portanto, é se o país conseguirá aproveitar essa enorme janela de oportunidade que se abre com a transição para um novo paradigma de energia, que coincide com um novo mapa produtivo e comercial do mundo. A alternativa é ficar sentado assistindo, enquanto outros grandes países fazem a nova economia, na qual seríamos apenas consumidores.

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Fausto Oliveira é jornalista de economia com experiência nacional e internacional em setores industriais e infraestrutura.