28 de maio de 2025
Avaliação Gestão Pública

Gestão e Avaliação do Desempenho no Setor Público – Parte 1

Avaliar desempenho no setor público exige romper com simplificações liberais e reconhecer a profissionalização crescente do serviço público, a complexidade institucional e os limites das comparações com o setor privado.

 

O debate usual sobre o tema do desempenho de servidores no setor público (que é algo correlacionado, mas diferente do desempenho setorial ou agregado do setor público) parte de premissas geralmente equivocadas, trata o assunto com simplificações exageradas, faz comparações descabidas com o setor privado e, por fim, apresenta propostas ou soluções desconectadas da complexidade institucional do Estado.

Apenas para exemplificar:

i) a premissa de que o setor público é grande e caro, em termos do quantitativo de pessoal e folha global de vencimentos, vem sendo sistematicamente negada pelo compêndio de dados empíricos contidos no Atlas do Estado Brasileiro (https://www.ipea.gov.br/atlasestado/) produzido pelo Ipea;

ii) a simplificação sobre a suposta ineficiência da máquina pública não possui nenhum embasamento empírico sólido e desconsidera a imensa heterogeneidade interna do setor público;

iii) qualquer comparação com o setor privado é metodologicamente destituída de sentido, já que são mundos que operam segundo lógicas e objetivos qualitativamente diversos;

iv) propostas tais quais as contidas na PEC 32/2020, com aparência de serem soluções rápidas e fáceis, estão fadadas ao fracasso, pois raramente possuem aderência crível às formas de organização e funcionamento dos aparatos de Estado.

Desta maneira, um ponto de partida mais honesto deveria reconhecer que o emprego público não está fundado – conceitual e juridicamente – em relações contratuais tais quais aquelas que tipificam as relações de assalariamento entre trabalhadores e empregadores no mundo privado. Ao contrário, o servidor público estatutário possui uma relação de deveres e direitos com o Estado-empregador e com a própria sociedade, ancorada desde a CF-1988 no chamado Regime Jurídico Único (RJU), na Lei 8.112/1990 e outros regramentos subsequentes que disciplinam sua atuação e conduta, e que, evidentemente, podem e devem passar por aperfeiçoamentos constantes.

Diretamente correlacionado com o desempenho dos servidores, dados relativos à escolarização mostram que a força de trabalho ocupada no setor público brasileiro já vem se qualificando e se profissionalizando para o desempenho de suas funções. Segundo informações do Atlas do Estado Brasileiro, a expansão vem acontecendo, em termos absolutos e relativos, com vínculos públicos que possuem nível superior completo de formação, que passaram, nos três níveis da federação, de pouco mais de 900 mil para mais de 5,5 milhões, de 1986 a 2025. Percentualmente, este nível saltou de 19% em 1986 para perto de 50% do contingente de vínculos em 2025.

Nos municípios, onde está concentrada a maior parte dos servidores públicos, em áreas finalísticas de atendimento direto à população, tais como saúde, assistência social, limpeza urbana e ensino fundamental, a tendência de aumento de escolarização foi também bastante acentuada. A escolaridade superior completa aumentou de 10% para mais de 40% entre 1986 e 2025. A do ensino médio completo ou superior incompleto aumentou de 22% para 40% no mesmo período. Já a escolaridade de nível médio incompleto e nível fundamental caíram, respectivamente, de 14% para 10% e 53% para menos de 9% do total.

Esses dados revelam que a escolarização média dos trabalhadores no setor público, em praticamente todos os níveis da federação e áreas setoriais de atuação governamental, está hoje acima da escolarização média correspondente às ocupações do setor privado. Desta maneira, eles servem para desmistificar afirmações infundadas sobre eficiência, eficácia e desempenho estatal na implementação de políticas públicas e na prestação de serviços e entregas à população. Pois a qualidade das políticas públicas, bem como os graus de institucionalização e profissionalização do Estado em cada área específica de atuação, são dimensões tributárias da escolarização/qualificação que os servidores trazem consigo ao ingressarem no setor público e daquela obtida ao longo de seu ciclo laboral, incluindo-se aí o conhecimento tácito, que é um tipo de conhecimento praticamente impossível de ser conseguido por meio de livros e manuais, já que adquirido ao longo de anos pela prática cotidiana de atuação, erros, acertos, interações e inovações incrementais no local de trabalho. Tudo somado, embora outros fatores influenciem no sucesso e qualidade das políticas, tais como a disponibilidade de recursos, as regras institucionais etc., sabe-se que recrutar pessoas com maior e melhor formação é desejável, e indicativo de aprimoramento/profissionalização dos quadros que manejam a entrega de bens e serviços aos cidadãos.

Com isso, o desempenho de servidores no setor público, devido à amplitude e complexidade de temas e novas áreas programáticas de atuação governamental que continuamente se projetam ao futuro, depende, portanto, de processo permanente e necessário de profissionalização – ao invés de sucateamento! – da burocracia e dos serviços públicos.

É claro que as exigências citadas acima colocam desafios imensos às políticas públicas de pessoal e sugerem atrelamento de fases e tratamento orgânico aos novos servidores, desde a seleção por concursos, trilhas de capacitação e alocação funcional, critérios justos para avaliação e progressão funcional, incentivos não pecuniários e técnicas organizacionais que combinem as vocações e interesses individuais com as exigências organizacionais de aperfeiçoamento das funções públicas. Em suma, nem incentivos dados por meio de remuneração variável, ainda mais se pensadas para terem caráter permanente, nem ameaças ou penalidades sugeridas por abordagens punitivistas de desempenho, servem como referência concreta para a obtenção de ganhos de produtividade e de maior ou melhor desempenho dos servidores e servidoras.

É, portanto, a nossa visão valorativa, reflexiva e resolutiva de desempenho, que permite romper com a limitação das perspectivas liberais e gerencialistas, substituindo-as por abordagens mais criativas sobre as relações entre processos de trabalho (recursos, procedimentos e formas de atuação) e seus respectivos resultados. No setor privado, a competição, disfarçada de cooperação, é incentivada por meio de penalidades e estímulos individuais pecuniários (mas não só) no ambiente de trabalho, em função da facilidade relativa com a qual se pode individualizar o cálculo privado da produtividade e os custos e ganhos monetários por trabalhador.

No setor público, ao contrário, a operação de individualização das entregas (bens e serviços), voltadas direta e indiretamente para a coletividade, é tarefa estatística e metodologicamente difícil, ao mesmo tempo que política e socialmente indesejável. Simplesmente pelo fato de que a função-objetivo do setor público não é produzir valor econômico na forma de lucro, mas sim gerar valor social, cidadania e bem-estar de forma equânime e sustentável ao conjunto da população por todo o território nacional.

Por esta e outras razões, a abordagem aqui defendida rejeita os pressupostos simplificadores do comportamento humano nos quais se baseiam os sistemas (em geral, quantitativistas) de incentivo para o desempenho, tal como propostos pelas abordagens gerencialistas, fundadas em percepções (em geral, equivocadas) de que os indivíduos (ou grupos e organizações) são motivados, fundamentalmente, pelo desejo de obter recompensas (como dinheiro ou status) e evitar sanções.

Ao contrário, a tarefa da gestão do desempenho envolve o estabelecimento de rotinas que possibilitem aos agentes envolvidos a reflexão e a revisão contínua das atividades e ações burocráticas, de modo que o monitoramento do desempenho seja, em si, parte de um processo mais amplo – contínuo, coletivo, colaborativo e cumulativo – de aprendizagem e inovação institucional, no qual as relações entre diferentes processos de trabalho e seus respectivos resultados, em cada contexto específico, estão sempre em foco.

Não há, portanto, choque de gestão, reforma fiscal, ou reforma administrativa contrária ao interesse público, que superem ou substituam o acima indicado.

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José Celso Cardoso Jr. é Doutor em Desenvolvimento pelo IE-Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e atualmente exerce o cargo de Secretário de Gestão de Pessoas no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI).
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