O recente anúncio de que a Agência Nacional de Desenvolvimento Industrial (ABDI) adotará o aplicativo de mensagens UNA, a fim de não permitir que sistemas estrangeiros como WhatsApp e Telegram tenham acesso a conversas sobre temas sensíveis, trouxe de volta o tema da soberania. Porém, agora adaptado ao contexto do século XXI.
Em mensagem postada no dia 13 de janeiro em sua conta no “X”, o presidente da ABDI, Ricardo Cappelli, escreveu: “Não existe almoço grátis. Não cobram nada? Quanto valem os seus dados? Quanto valem os dados estratégicos das instituições brasileiras? A partir de hoje a @abdi_digital passa a utilizar o UNA, app de mensagens desenvolvido por uma Empresa Estratégica de Defesa Nacional. SOBERANIA”
Dados digitais têm sido nos últimos anos um objeto de crescente interesse e discussão entre acadêmicos e órgãos de Estado em diferentes partes do mundo. Isto porque a digitalização de praticamente todas as atividades econômicas e do dia a dia das sociedades transformou a vida social, quase repentinamente, em uma fonte inesgotável de informação.
Naturalmente, a jazida infinita de dados que a cada dia só cresce é vista como mina de ouro por grandes companhias transnacionais. Não apenas as chamadas Big Tech (Meta, Amazon, Google etc), mesmo que para elas os dados estejam no centro de suas estratégias de acumulação de capital. Também para setores em que isso não fazia tanta diferença há duas décadas, dos quais podemos dar como exemplo o de artigos de higiene pessoal, hoje dados são essenciais para conhecer tendências do consumidor, antecipar movimentações, difundir e impor estratégias de marketing e outras funções.
Dado é riqueza no mundo contemporâneo. Mas não apenas riqueza, já que os séculos de filosofia nos ensinam que onde está a riqueza, está também o poder. Dado, no mundo de hoje, é poder. Acesso generalizado a informações de importância crítica para um país pode vulnerabilizá-lo de forma definitiva. A crise aberta por Edward Snowden, quando divulgou dados sigilosos do Departamento de Estado dos EUA, sendo banido do país para sempre, prova o ponto perfeitamente.
Daí que a decisão da ABDI em adotar o UNA tem potencial positivo para o país. Caso ela seja escalada e substitua os aplicativos de mensagens de uso comum em todas as esferas de governo, reserva-se um importante nível de soberania do Brasil nestes tempos atuais. Se, além de integrar todo o governo federal com o UNA, a ABDI ainda conseguir que ele seja difundido pela sociedade e adotado por parte dos brasileiros, níveis ainda maiores de soberania podem ser alcançados.
Neste caso, a ABDI estaria contribuindo para algo ainda maior do que a necessária discrição das comunicações do governo brasileiro. Estaria contribuindo para que o Brasil comece a construir soluções próprias de tecnologia de informação e comunicação. Algo que, aliás, é o propósito do órgão que carrega em seu nome a expressão “desenvolvimento industrial”.
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Fausto Oliveira é jornalista de economia com experiência nacional e internacional em setores industriais e infraestrutura.