É antiga a ideia de que o desenvolvimento da região sul-americana passa necessariamente pela instalação de cadeias integradas de transporte e logística. Ferrovias transcontinentais, túneis transfronteiriços, rodovias internacionais e mesmo o uso de rios como elementos de integração comercial, são ideias que reaparecem no debate público de tempos em tempos, quando o tema é o desenvolvimento regional. Em geral, damos como certo que quanto mais investimento em infraestrutura de transportes e logística, maior a capacidade de produzir, escoar produção e gerar riqueza para os povos da região.
Nada disso é, em essência, errado. A questão a levantar reside um andar abaixo da superfície. Se é certo que construir as infraestruturas de transporte e logística internacionais é fator de aumento de produtividade geral das economias participantes, qual modelo de desenvolvimento é fortalecido por este ou aquele projeto? Existe diferença entre pensar um projeto de logística que atenda quase exclusivamente os interesses de um setor econômico, ou outro que se direcione para demandas mais difusas? Ou ainda, todo aumento na integração logística se reverte em desenvolvimento econômico regional?
Estas são questões que poderiam orientar melhor a discussão sobre integração sul-americana, à luz de uma preocupação prévia com modelos de desenvolvimento em escala nacional. A teoria não tem respostas definitivas para perguntas que descem a este nível do problema. O que é possível fazer, a fim de orientar melhor o debate, é discutir empiricamente a partir de projetos já implementados ou planejados.
Estudos empíricos recentes vêm indicando que a mera integração física entre dois pontos pode gerar tanto efeitos positivos, como coesão econômica de mão dupla revelada em oportunidades ampliadas de crescimento, quanto efeitos potencialmente negativos, como o reforço do predomínio de um ponto em relação ao outro no que tange o valor agregado e as capacidades de geração de riqueza dele oriundas. Não parece dado que a instalação de uma infraestrutura de transporte e logística seja necessariamente um fator gerador de oportunidades iguais para todos os territórios integrados.
Portanto, faz sentido propor uma reflexão maior, que inclua as expectativas de desenvolvimento à discussão sobre os projetos de transporte e logística. Por exemplo: o escoamento de produção agropecuária pode sinalizar positivamente um projeto de ferrovia que, do ponto de vista de uma intenção de formação de capital fixo ou ocupação territorial com oportunidades de crescimento econômico, não faça sentido.
Cadeias produtivas
Existe um outro aspecto, contudo, a se considerar. Os investimentos para construção de infraestruturas de logística são em geral vultosos e muito demandantes de bens de capital e mão de obra. Em decorrência disso, cabe afirmar que quanto mais eles aconteçam, maior será sua contribuição para geração de oportunidade de crescimento. A questão, neste caso, deve enfocar os seguintes pontos: é possível capturar parte significativa desta demanda entre agentes econômicos nacionais ou da região afetada pelo próprio projeto?; caso não seja possível, há como estabelecer associações com países e/ou empresas estrangeiras que prevejam algum nível de transferência de tecnologia?; no caso de um projeto por concessão ou PPP, o contrato preverá que o concessionário faça compras e contratações locais de bens industriais, serviços sofisticados e mão de obra?
Aqui entra em questão a ativação das cadeias produtivas domésticas e/ou regionais como impacto potencial e previsível dos investimentos em transporte e logística. Em síntese: um cenário róseo para estes investimentos seria um em que a própria instalação da infraestrutura gera mais oportunidades generalizadas de crescimento do que desequilíbrios, enquanto também gera uma consistente demanda por produtos e serviços localmente/regionalmente produzidos. Assim, em ambos os pratos desta balança o projeto poderia resultar em aumento de produtividade, oportunidade de crescimento e abertura de perspectivas de desenvolvimento socioeconômico nacional e regional.
Fausto Oliveira é jornalista de economia com experiência nacional e internacional em setores industriais e infraestrutura.