A entrevista publicada hoje no portal Contexto Brasil traz reflexões de um dos mais destacados economistas brasileiros. Pedro Rossi é Professor Livre-Docente do Instituto de Economia da Unicamp (afastado), economista-chefe do Global Fund for a New Economy e fundador do Transforma Unicamp.
Recentemente, o economista lançou o livro “Brasil em Disputa”, uma obra que examina os caminhos e impasses da economia brasileira, especialmente no contexto político e econômico dos últimos anos. Na entrevista, ele aborda pontos centrais explorados no livro, como os limites e contradições do modelo de crescimento baseado no consumo de massa durante os governos Lula, os desafios do primeiro mandato de Dilma Rousseff em estimular a estrutura produtiva, e os impactos devastadores do chamado “choque recessivo” de 2015.
O economista também analisa criticamente a agenda de austeridade implantada após o impeachment de Dilma Rousseff e seus efeitos sobre o crescimento econômico, o emprego e a produtividade do país. Além disso, ele reflete sobre os desafios do terceiro mandato de Lula, em que há uma disputa entre agendas distributivas e neoliberais, e comenta a importância de iniciativas como a Transformação Ecológica e a recuperação de políticas sociais fundamentais.
Contexto Brasil: Na sua avaliação sobre os dois primeiros governos Lula, você menciona os limites e as contradições do modelo de crescimento via mercado de consumo de massa, impulsionado por políticas sociais, aumento do salário mínimo e crédito para as famílias. Pode explicar para os leitores quais foram esses limites e contradições?
Pedro Rossi: Os governos Lula promoveram profundas transformações do lado da demanda, mas sem o mesmo dinamismo do lado da oferta doméstica. De certa forma, essas políticas amenizaram características do subdesenvolvimento apontadas por Celso Furtado, como a exclusão de uma parcela importante da população do mercado de consumo e do mercado de trabalho formal. O modelo conseguiu incluir mais pessoas no mercado consumidor, reduzir o desemprego e a informalidade, mas os empregos cresceram principalmente em setores de baixa produtividade, especialmente nos serviços. Além disso, o dinamismo do consumo acabou pressionando o déficit externo, com uma parte significativa vazando para o consumo de importados, especialmente produtos chineses.
Contexto Brasil: Sobre o primeiro governo Dilma, você menciona a tentativa de estimular melhorias na estrutura produtiva por meio de desonerações e ajustes de preços estratégicos. Apesar de termos experimentado um nível de desemprego baixo para os padrões brasileiros, a narrativa predominante sobre esse período é negativa. A que você atribui isso?
Pedro Rossi: O capítulo dedicado ao primeiro governo Dilma, intitulado “Copo Meio Cheio, Meio Vazio”, explora esses pontos. Dilma tentou enfrentar os desafios do lado da oferta, mas sem obter muito sucesso. Ainda assim, a demanda seguiu aquecida e as melhorias sociais permaneceram ativas. Hoje, há uma releitura falsificadora da história que aponta uma crise nesse período. Na verdade, não havia uma crise, mas uma desaceleração e um aumento do conflito distributivo, marcado por disputas entre classes. Em 2013 e 2014, o debate econômico girava em torno de um mercado de trabalho muito aquecido e de salários crescendo acima da produtividade. A releitura liberal sugere que os excessos desse período causaram a crise posterior e que a austeridade foi um remédio inevitável, mas isso é um equívoco.
Contexto Brasil: No livro, você afirma que em 2015 houve um “choque recessivo” focado na contração da demanda. Pode explicar o que caracterizou esse choque e quais foram as suas consequências?
Pedro Rossi: O choque recessivo em 2015 foi marcado por uma combinação de austeridade fiscal, elevação brutal dos preços administrados, desvalorização cambial superior a 50% e, diante da alta inflação provocada pelo governo e pelo câmbio, um aumento da taxa de juros para 14,5%. Isso representou uma freada brusca em uma economia que já estava desacelerando. Sem esse choque, o PIB provavelmente não teria caído dois anos consecutivos, e o desemprego não teria explodido em 2015 e 2016. Desde a década de 1930, o PIB brasileiro não registrava quedas consecutivas por dois anos. A leitura neoliberal, frágil em evidências, atribui a crise aos supostos excessos do período anterior, enquanto parte do campo progressista, de forma simplista, atribui todos os problemas exclusivamente à crise política, sem reconhecer o impacto do choque recessivo.
Contexto Brasil: Depois vieram o documento “Uma Ponte para o Futuro”, o impeachment da presidente Dilma, o “teto de gastos”, a reforma trabalhista, a eleição de Bolsonaro, mais uma reforma da previdência, a autonomia do Banco Central e as privatizações. Na sua avaliação, por que essa agenda resultou em baixo crescimento econômico, aumento do desemprego e da capacidade produtiva ociosa?
Pedro Rossi: Essa agenda resulta em baixo crescimento porque, do lado da demanda, a austeridade fiscal freia o crescimento econômico. Do lado da oferta, as reformas prometem aumentos de produtividade que não se concretizam. O período entre 2015 e 2022 foi desastroso, e é fundamental reconhecer que as políticas econômicas adotadas nesse intervalo contribuíram diretamente para isso.
Contexto Brasil: Para concluirmos, no terceiro mandato do presidente Lula, a correlação de forças entre as agendas distributiva e neoliberal aponta para o predomínio de alguma delas?
Pedro Rossi: Recentemente, entreguei o meu livro ao presidente Lula e disse que ele é o árbitro da disputa entre a agenda distributiva e a agenda neoliberal. Há contradições dentro do governo, mas iniciativas interessantes, como a da Transformação Ecológica, e a recuperação de agendas sociais fundamentais se destacam. Por outro lado, o novo arcabouço fiscal pressupõe reformas alinhadas à agenda da “Ponte para o Futuro”.
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Jaqueline Nunes é jornalista e gestora pública com 10 anos de experiência em assessoria de comunicação governamental.