As desigualdades regionais no Brasil têm raízes históricas que remontam ao período colonial. A partir da década de 1930, houve uma centralização da indústria no Sudeste, especialmente em São Paulo. O processo de industrialização dinamizou a economia nacional, mas manteve as desigualdades regionais em aspectos como renda, acesso a serviços básicos e infraestrutura. Tendo como referência autores como Gunnar Myrdal, François Perroux, Albert Hirschman, Raúl Prebisch, Celso Furtado e, mais recentemente, Milton Santos e Bertha Becker, o governo brasileiro implementou várias iniciativas para mitigar essas disparidades.
Na Região Norte, rica em recursos naturais, mas com pouca infraestrutura e baixo dinamismo econômico, destaca-se a criação: da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 1966; do Fundo Constitucional de Financiamento para a Região Norte (FNO), em 1988; do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), em 2001; do Consórcio Interestadual Amazônia Legal, em 2019; e do Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA), cuja versão mais recente foi divulgada em 2024. Tais instituições e instrumentos articulam políticas, programas e ações que, explícita ou implicitamente, visam contribuir para o desenvolvimento da região.
A ausência dessas iniciativas provavelmente resultaria em dificuldades ainda maiores. No entanto, grande parte desses esforços continua direcionada para atividades em que o país possui vantagens comparativas, perpetuando a especialização na exportação de commodities e em nichos industriais e de serviços voltados para mercados globais, mas desconectados do mercado interno e das cadeias produtivas nacionais. O dualismo, caracterizado pela coexistência de setores econômicos avançados e atrasados no mesmo território, favorece a consolidação de enclaves com baixa capacidade de geração de empregos e pouca disseminação de inovações para outros segmentos produtivos. Como dizia Milton Santos, lugares globais altamente conectados ao circuito superior da economia coexistem com vastas áreas relegadas ao circuito inferior, caracterizado por atividades de baixa produtividade, informalidade e ausência de integração com as atividades econômicas tecnologicamente avançadas. Essa dinâmica impede que os benefícios do progresso técnico sejam disseminados na estrutura produtiva.
O desenvolvimento sustentável da Região Norte depende de uma mudança de paradigma, que abandone modelos predatórios e promova a integração entre conservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico. Para que isso ocorra, é crucial preservar a cobertura vegetal, que ainda se mantém em grande parte, apesar das constantes incursões predatórias. A base produtiva regional tem buscado formas inovadoras de lidar com a gestão da água, o uso da madeira, a biodiversidade, a produção de alimentos e os modais de integração que respeitem a natureza. A resolução de questões fundiárias e a definição de regras claras para regular as atividades produtivas e a propriedade rural e urbana são desafios urgentes, assim como a criação de um sistema urbano resiliente e integrado, capaz de consolidar novos polos de desenvolvimento e distribuir serviços de forma funcional.
O principal vetor de desenvolvimento da região é a sociobiodiversidade, valorizando os produtos da floresta, das águas e da agroecologia. Atividades que promovam a cultura e o empreendedorismo regional podem abrir novas fronteiras para a inovação social. Para avançar nessa direção, é indispensável aumentar os investimentos em instituições de pesquisa, universidades, pequenas e médias empresas, além de fortalecer a qualificação profissional e as instituições de apoio à inovação. É preciso integrar práticas tradicionais ao uso de novas tecnologias para desenvolver produtos de alto valor agregado, como cosméticos, medicamentos e bioplásticos.
Entre as principais prioridades para o desenvolvimento sustentável da Região Norte, destacam-se:
- Fortalecimento da presença do Estado e do ordenamento territorial;
- Estruturação de uma rede de cidades capaz de prover serviços básicos;
- Universalização do saneamento básico, energia e internet de alta velocidade;
- Expansão da infraestrutura de transportes e logística, priorizando os modais hidroviário e aeroviário e fortalecendo a integração nacional e sul-americana;
- Expansão da educação técnica e superior orientada para as necessidades e potencialidades regionais;
- Restauração florestal em áreas degradadas, especialmente em zonas sensíveis para o ciclo hidrológico;
- Incentivo às práticas de produção limpa e à agroecologia;
- Parcerias entre universidades, empresas e governos estimulando o uso sustentável da biodiversidade como fonte de riqueza e renda;
- Desenvolvimento de bioprodutos inovadores com base nos recursos amazônicos; e
- Internacionalização de produtos amazônicos.
Diante da complexidade dos conflitos geopolíticos e geoeconômicos, e das dificuldades de harmonização das iniciativas de diferentes poderes e entes federados sobre o uso dos recursos naturais, não está claro se as políticas públicas terão alcance e continuidade suficientes para consolidar um modelo de desenvolvimento soberano, inclusivo e sustentável na Região Norte do Brasil.
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Márcio Gimene é Analista de Planejamento e Orçamento. Mais informações: www.gimene.com.br.