19 de abril de 2025
Produção Tecnologia e inovação

A economia do futuro?

A biodiversidade brasileira pode ser a base de uma nova economia, inovadora e sustentável. Para isso, o país precisa investir em ciência, proteger seus biomas e atualizar as suas regulações

 

A megabiodiversidade brasileira é talvez um dos principais ativos econômicos do país. Evidentemente, tal afirmação não pode estar baseada nas presunções econômicas do passado, segundo as quais as atividades exploratórias dos recursos naturais objetivavam uma transformação física e quantitativa da matéria prima em um regime de escala de produção que, em certos casos, provou-se pouco sustentável.

Na chamada bioeconomia, organismos vivos ou componentes biológicos são utilizados para desenvolver produtos e processos inovadores em setores como agricultura, saúde, indústria alimentícia, farmacêutica e energética. O Brasil pode fortalecer sua bioeconomia utilizando inovações como edição genética, biomoléculas, biossensores e sistemas de monitoramento ambiental para aumentar a produtividade, reduzir o impacto ambiental e promover uma economia sustentável.

Trata-se de uma indústria na qual o problema da economia de escala se resolve através da apropriação não quantitativa do bem natural. Isto significa que é mais inteligente manter uma floresta em pé para pesquisar novas moléculas e suas potenciais aplicações do que a apropriação quantitativa do território natural (geralmente devastadora). O conhecimento ainda por pesquisar na megabiodiversidade é uma chave para o uso qualitativo da matéria prima. Suas aplicações industriais podem depender de quantidades ínfimas de extração física, mas serão sempre intensivas em pesquisa científica e desenvolvimento de novas soluções produtivas, capazes de criar escala de produção material a partir não de matéria prima, mas de informação.

Se a economia do futuro, ou uma delas, é a bioeconomia, então é certo que ela estará baseada em patentes biotecnológicas inovadoras. E exatamente por não se tratar de material sintético, e sim proveniente da natureza, o bioproduto terá sempre uma relação estreita com o território de onde provém. Daí surgem tanto a necessidade de aproveitar o imenso privilégio de biodiversidade em países como o Brasil, por um lado, e a urgência de restringir o acesso de potenciais concorrentes às potencialidades informacionais que gerarão riqueza futura, muitas delas assentadas em território nacional e, portanto, parte integrante do direito ao desenvolvimento do Brasil e sua sociedade.

Contudo, a realização desse potencial depende de esforços coordenados para ampliar os investimentos em pesquisa, capacitar profissionais, criar infraestrutura adequada e garantir a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Junto a uma declaração de soberania sobre seus recursos de biodiversidade, cabe ao país um ato igualmente maduro de preservar os biomas e investir pesadamente em pesquisa científica. Mas as perspectivas bioeconômicas no Brasil não devem se resumir às ideias e projetos associados à preservação dos biomas mediante produção industrial a partir de sua bioinformação.

A construção brasileira bem-sucedida na agropecuária abre uma avenida importante de oportunidades para inovações provenientes de atividades biotecnológicas. Desde novos usos de cultivos já existentes, passando por substituição de defensivos e medicamentos veterinários sintéticos por suas versões biológicas, e mesmo chegando a pensar em novos cultivos que dialoguem com a bioeconomia.

Uma oportunidade que já vem sendo aproveitada em distintos países é a agricultura intensiva da Cannabis. Esta planta, que tem má fama até hoje porque em uma de suas eflorescências existe um alto teor de tetrahidrocanabinol (a substância popularmente conhecida como maconha), é uma fonte muito ampla de recursos biológicos com potencial aplicação industrial. Hoje, na verdade, os melhoramentos genéticos feitos sobre a Cannabis conseguem reduzir a menos de 0,05% a quantidade de THC por planta, deixando-a praticamente isenta de psicoatividade. Isto é o que tem permitidos a diversos países produzir novas regulações de plantio e aproveitamento industrial desta planta, a exemplo de Argentina, Uruguai e Paraguai, para mencionar apenas países vizinhos.

De suas várias aplicações farmacológicas, cosméticas, construtivas, têxteis e em outros campos ainda não explorados sequer pela indústria contemporânea, a bioindústria de Cannabis pode ser um dos veios de aproveitamento das muitas novas oportunidades abertas para o Brasil em um novo cenário mundial.

Embora ainda cercado de incertezas, o mundo a ser moldado pelos Estados Unidos de Donald Trump pode abrir ao Brasil grandes avenidas de possibilidades antes fechadas. O acesso a mercados consumidores de alta renda poderá ser redividido, de acordo com interesses geopolíticos. Se isso se confirmar da forma como até aqui parece que será, então a indústria brasileira em geral estará com acesso facilitado ao maior mercado consumidor do mundo (os EUA). Conformar agora uma bioindústria competitiva a partir de nossas vantagens comparativas pode tornar-se algo estratégico para impulsionar o desenvolvimento do país ao longo dos próximos muitos anos.

Evidentemente, esta avenida de oportunidades depende de pesquisa científica e inovação. Porém, antes de tudo isso, depende de novas regulações que permitam ao agronegócio brasileiro explorar as potencialidades da Cannabis em todos os seus aspectos. O mesmo vale para várias outras frentes de atuação bioeconômica.

São inúmeras as chances abertas para o Brasil no campo da bioeconomia. Mas para que todas, ou algumas delas, se tornem realidade e contribuam para o desenvolvimento, é indispensável que o país  regulamente a exploração sustentável dessas atividades, garantindo segurança jurídica e instrumentos de financiamento para investidores e consumidores.

 

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Fausto Oliveira é jornalista de economia com experiência nacional e internacional em setores industriais e infraestrutura.